PF TRANSFORMA PRISÃO DE FLÁVIO MALUF EM SHOW ILEGAL PARA A TV GLOBO

Mídia | setembro 12, 2005

O show promovido pela Polícia Federal exclusivamente para a TV Globo, que exibiu imagens no Jornal Nacional de sábado (10/9), do momento em que Flávio Maluf se entregava, desnecessariamente algemado, em um heliponto no Morumbi (zona oeste de São Paulo) será objeto de uma apuração interna na PF, determinada pelo diretor-geral da instituição, delegado Paulo Lacerda.

O show promovido pela Polícia Federal exclusivamente para a TV Globo, que exibiu imagens no Jornal Nacional de sábado (10/9), do momento em que Flávio Maluf se entregava, desnecessariamente algemado, em um heliponto no Morumbi (zona oeste de São Paulo) será objeto de uma apuração interna na PF, determinada pelo diretor-geral da instituição, delegado Paulo Lacerda. A primeira questão a ser apurada é qual delegado comandou a operação em que o filho do ex-prefeito Paulo Maluf (PP) se entregou.

A ação foi duramente criticado por constitucionalistas e criminalistas ouvidos por Última Instância. Para eles, o filho do ex-prefeito Paulo Maluf, também preso, poderá entrar com ação por danos morais, exigindo uma reparação financeira do governo federal. Os advogados também criticam o fato de apenas a equipe da TV Globo ter tido acesso às dependências da Superintendência da PF em São Paulo, mostrando o momento em que Flávio chorava ao falar ao celular com sua mulher, Jacqueline Maluf.

Na avaliação dos especialistas, ou toda a imprensa pode mostrar um fato que já é de domínio público ou nenhum veículo deve ter acesso às imagens de um determinado acusado sob a custódia da PF. Eles afirmam que o Ministério da Justiça, a quem a PF é subordinada, deve abrir sindicância para apurar responsabilidades.

O caso

A prisão preventiva do ex-prefeito e de seu filho foi decretada no início da noite de sexta-feira (9/9) pela juíza Sílvia Maria Rocha, da 2ª Vara Criminal Federal de São Paulo, quando ela recebeu a denúncia do MPF (Ministério Público Federal) contra os dois, além do doleiro Vivaldo Alves, o Birigui, e de Simeão Damasceno, ex-diretor da construtora Mendes Júnior.

O recebimento da denúncia significa a abertura formal do processo penal contra os acusados. A preventiva foi decretada com base em uma suposta tentativa de coação, por parte dos presos, contra Birigüi, para quem o MPF pediu à Justiça a concessão do benefício da delação premiada, ainda não concedido.

A assessoria de imprensa e os advogados de Maluf negam a coação, alegando principalmente que Birigui é réu, logo não pode ser considerado testemunha. O doleiro seria o principal operador da remessa ilegal de até US$ 444 milhões que teriam sido desviados dos cofres públicos paulistanos entre 1997 e 1998.

A PF também recomendou em inquérito a prisão preventiva do ex-prefeito Celso Pitta, que era o chefe da administração paulistana à época dos pagamentos à Mendes Júnior, que teriam sido desviados para o esquema supostamente controlado por Maluf. O MPF, no entanto, decidiu não formalizar o pedido de prisão preventiva de Pitta.

Constitucionalistas

O advogado Pedro Estevam Serrano, professor de direito constitucional da PUC-SP, afirma que houve um “abuso evidente de poder” por parte da PF ao proporcionar à TV Globo as imagens de Flávio Maluf algemado. De acordo com ele, “como a prisão preventiva é apenas uma medida protetiva do processo (já que não há uma condenação judicial), ela deve ser tomada de modo a causar o menor constrangimento possível ao réu”. Segundo Serrano, a ação da PF no caso de Flávio Maluf “pode sujeitar ao Estado indenizá-lo por danos à imagem”.

Serrano considera que “há uma inconstitucionalidade inconteste por atentado ao princípio da isonomia pela autoridade pública” no fato de a PF ter privilegiado a TV Globo na divulgação das imagens de Flávio Maluf. “As emissoras (de televisão) prejudicadas podem representar administrativamente (junto ao governo) contra o delegado responsável pelo inquérito no sentido de que ele sofra uma sanção administrativa, até por prevaricação, por ter favorecido um em detrimento de terceiros”, afirmou.

Ele se refere ao fato de a informação da PF, que é parte do Poder Executivo, ter beneficiado economicamente uma emissora, pois as imagens exclusivas se revertem em elevação de audiência e, conseqüentemente, em retorno em forma de anúncios publicitários. “Se alguma autoridade superior (ao delegado federal Protógenes Queiroz, que comanda o inquérito), quiser afastá-lo, há elementos para isso.”

Serrano elogiou o trabalho do ministro Márcio Thomaz Bastos à frente do Ministério da Justiça, a quem atribui o fato de “a sociedade brasileira ter ganhado uma PF autônoma, independente”, mas recomenda cuidados em relação a abusos como o verificado neste final de semana.

O também constitucionalista Roberto B. Dias da Silva, afirma que “se há a certeza de que o acusado não vai fugir, não é preciso colocar algemas. E isso não vale só para ele (Flávio Maluf), vale para todos”. Segundo Dias da Silva, ficou claro nas imagens que Flávio estava se entregando, sem oferecer resistências, pois havia até feito uma viagem de helicóptero para cumprir a determinação de sua preventiva. Para ele, Flávio Maluf pode ir à Justiça contra a União para pedir uma reparação de danos morais.

“Há um momento nas imagens (da TV Globo) em que Flávio fala que não está sendo cumprido seu ‘acordo’ com a PF, pelo fato de ele ter sido algemado”, diz. Para Dias da Silva, “ou ele tem o direito de não ser algemado ou ele não tem esse direito, parecia coisa de acerto”.

O constitucionalista também criticou o privilégio concedido à TV Globo pela PF. “Ou as imagens são para todos, ou para ninguém”, afirmou. “Não foi um furo, foi um privilégio.”

Criminalistas

O advogado criminalista Roberto Telhada considera que “não há a necessidade de se algemar quem quer que seja o acusado, exceto pelo fato de ele oferecer risco aos policiais e a ele mesmo, o que não é o caso de Flávio Maluf”. Para Telhada, houve “exibicionismo e intimidação social” por parte da Polícia Federal. Ele afirma que o fato de Flávio ter sido algemado e gravado “é uma punição indevida da qual a pessoa não se livrará jamais”.

De acordo com ele, o Ministério da Justiça ou a própria Corregedoria da PF podem abrir sindicância para apurar responsabilidades de agentes públicos envolvidos no vazamento da informação para a TV Globo sobre o local e a hora em que Flávio Maluf se entregaria à polícia, bem como sobre o fato de um funcionário da TV Globo ter tido acesso às dependências da Superintendência da PF e gravado imagens de Flávio Maluf preso.

Telhada citou os recentes episódios de invasões de escritórios de advocacia pela PF com mandados judiciais genéricos, sem a devida especificação sobre quais documentos de clientes poderão ser requisitados, como no caso Schincariol. Segundo a Constituição Federal, o escritório de um advogado é inviolável, mas tem sido alvo de buscas e apreensões da PF.

“Estamos vivendo um regime de exceção. Até advogados estão sendo presos indevidamente. Por enquanto, a imprensa está a salvo”, disse. Mas ele afirma que é necessário atenção para que não haja interferências por parte do poder público com relação ao que é divulgado, ao comentar o fato de uma emissora de televisão ter sido privilegiada pela PF.

Outro criminalista, Alberto Zacharias Toron, classificou como “um privilégio inadmissível” o fato de um único veículo de comunicação ter acesso às imagens que são buscadas por todos os órgãos de imprensa. Para Toron, “está na hora de a imprensa começar a discutir o assunto”.

Segundo o criminalista, é “um absurdo” o emprego de algemas pela PF no caso de um criminoso que não oferece risco de ser violento fisicamente estar se entregando. “O uso de algemas é exceção, não é a regra. O crime de que ele (Flávio Maluf) é acusado não é de pessoa que ofereça risco à atividade policial”, disse Toron. “De outro lado, o acompanhamento em tempo real, no caso pela TV Globo, viola a preservação de sua imagem.”

Toron concorda que cabe a abertura de uma sindicância pelo Ministério da Justiça para apurar responsabilidades funcionais de policiais federais.

Já o criminalista David Rechulski afirma que “a liberdade de imprensa, consistente no direito de informar, não pode ser confundida com um salvo-conduto para a promoção de execrações públicas, principalmente quando envolve alguém que está se apresentando voluntariamente à autoridade policial, para fins de cumprimento de uma ordem judicial, consistente em sua própria prisão preventiva”.

Ele lembrou o caso da Escola Base, em São Paulo, nos anos 90, em que os donos do estabelecimento foram acusados de práticas de pedofilia contra os alunos, sendo que as acusações se mostraram improcedentes. “Não vai ser uma indenização financeira que vai reparar o dano moral”, afirmou.

Última Instância.

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