Ausência de confissão do réu no inquérito policial não inviabiliza a celebração de ANPP

Clipping | setembro 30, 2022

“Ao exigir a existência de confissão formal e circunstanciada do crime, o novel art. 28-A do CPP não impõe que tal ato ocorra necessariamente no inquérito, sobretudo quando não consta que o acusado haja sido informado sobre a possibilidade de celebrar a avença [acordo de não persecução penal – ANPP] com o Parquet caso admitisse a prática da conduta apurada”. Este é o relevante entendimento firmado recentemente pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça no julgamento do HC 657.165 (acórdão publicado em 18/08/2022).


O ANPP é uma alternativa pré-processual, consensual, prevista no art. 28-A do Código de Processo Penal, destinada a proporcionar resposta penal mais célere a determinados comportamentos considerados criminosos, por meio da relativização da obrigação da instauração do processo penal, com consequente redução das demandas judiciais criminais.


O acordo traz prerrogativas tanto ao investigado quanto ao Estado, visto que ambos renunciam a direitos ou pretensões em troca de benefícios mútuos: o Estado renuncia ao direito de buscar uma condenação penal e a pena privativa de liberdade, em troca de antecipação e certeza de uma resposta punitiva, ao passo em que o investigado renuncia ao direito de provar sua inocência no curso do devido processo legal (com possibilidade de ampla defesa, contraditório e direitos outros, como o direito ao duplo grau de jurisdição), em troca de evitar não apenas o processo em si, mas especialmente suas agruras e a eventual sujeição a uma gravosa privação da liberdade.


Como em todo e qualquer acordo juridicamente válido, a boa-fé, a confiança e a lealdade são princípios que necessariamente devem ser observados e cumpridos por todos os envolvidos. E é justamente para não frustrar legítimas expectativas que o Ministro Rogério Schietti Cruz, relator do aludido feito, consignou em seu voto que a confissão formal – um dos requisitos ao ANPP – pode ocorrer na presença do representante do Ministério Público e do defensor do investigado na audiência extrajudicial designada especialmente para a celebração deste acordo, ocasião em que o investigado, de maneira livre e tecnicamente orientada pelo seu defensor, deliberará a respeito da sua manifestação confessional em troca das condições fixadas para celebração do acordo a fim de que seja evitado o processo penal e com proveito tanto para acusação quanto para defesa.


Isso porque a eventual exigência de que a confissão ocorra no inquérito – sobretudo caso ocorra sem a presença de defesa técnica e sem que se tenha dado conhecimento ao investigado sobre a existência deste benefício legal – impedirá que ele saiba, já naquela oportunidade, se o representante do Ministério Público efetivamente oferecerá a proposta de ANPP (e seus termos!) ao receber o inquérito relatado. Ademais, essa confissão em sede policial poderia levar a uma autoincriminação antecipada realizada apenas com base numa vã esperança de ser agraciado com o acordo, o qual poderá não ser oferecido pela ausência, por exemplo, de requisitos de natureza subjetiva a serem avaliados pelo membro do Parquet.


É também nessa linha o Enunciado nº 13 do CJF/STJ, aprovado durante a I Jornada de Direito Penal e Processo Penal: “A inexistência de confissão do investigado antes da formação da opinio delicti do Ministério Público não pode ser interpretada como desinteresse em entabular eventual acordo de não persecução penal”.


Assim, a [juris]prudência admite a não realização de confissão formal anteriormente à manifestação do Ministério Público sobre o oferecimento do ANPP e ciência dos termos propostos, preservando-se o direito constitucional à não autoincriminação e prestigiando-se os irrenunciáveis princípios da boa-fé, da lealdade e da confiança.

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